MÁRCIA MAROSTEGA
MÁRCIA
MAROSTEGA
Márcia Regina Marostega é natural de Santa Rosa/RS. Atualmente reside em Santa Cruz do Sul/RS.
A DESCOBERTA
“De algum modo amoroso, cada obra de arte (um livro, um filme, uma canção, uma escultura, um quadro) é uma janela que se abre sobre o mundo, sobre a humanidade, proporcionando, a quem a aprecia, um recorte novo, um universo expandido, um horizonte ampliado, na compreensão da existência.
Depois de termos tido acesso a certas criações, depois de termos admirado certas expressões da alma de um artista, nosso olhar sobre a realidade (a que está fora e a que está dentro de nós) nunca mais poderia ser o mesmo.
A partir daquele momento, daquele instante iluminador de nossa natureza individual (e, num passo seguinte, coletiva), tomamos ciência, tomamos consciência de um novo conjunto de coisas.
São formidáveis janelas para a leitura da vida o que nos proporciona a artista plástica Márcia Marostega, gaúcha nascida em Santa Rosa e que reside em Santa Cruz do Sul. Como é inerente ao perfil dos autores que evidenciam pleno domínio técnico, estético e existencial, ela esbanja vitalidade e personalidade.
Sabemos perfeitamente quando estamos diante de um MM, como já podemos sintetizar seu recado para a sociedade, seu recado para o conjunto do patrimônio cultural. É um registro que se firma, que se afirmar, que se duplica, que se espelha (e não é a arte a expressão máxima da alteridade?): verso e reverso, corpo e alma, alfa e ômega. Muro que protege, como fortaleza; mas que jamais isola, afasta, exclui. M de mar. M de mundo.
E que ninguém se engane, que ninguém se iluda com alguma eventual singeleza, com alguma aparente despretensão nas cenas e nos perfis. Se nada mais fosse necessário apontar, que se repare nas cores dominantes em suas telas. Há calor, há energia. O vermelho é pulsante, intenso, inquietante, e se espalha em tons cambiantes, em camadas de subsolo. São quadros que falam com nossa alma de maneira quase umbilical, sangue pincelado que logo pulsa em nossas veias, numa transfusão de vida que, ventura das venturas, oxigena nossa caminhada.
Pergunto-me de forma recorrente, diante de um quadro de Márcia, quem está naquele contexto. É a própria artista? Temos, então, autorretratos? Ou são eles a síntese imaginativa da bagagem que a autora carrega, e que a embala, mescla da Márcia mocinha com a Márcia adolescente, da Márcia irrequieta com a Márcia madura, da Márcia que todos conhecem com a Márcia que, para sempre, só a Márcia conhecerá?
Está ali a Márcia que fez do tempo, dos sorrisos e dos ventos da existência seus grandes aliados? Se assim for, está ali, em diferentes nuanças, a Márcia definitiva, a que, mosaico da vida, assume as rédeas e determina seu destino.
É evidente, não sejamos jamais ingênuos, que a própria Márcia está, com sua história e sua trajetória, em suas telas. Toda obra de arte é em alguma medida autobiográfica, e jamais poderia deixar de sê-lo visto que o artista lida com as suas próprias inquietudes, com seus próprios medos, seus próprios sonhos, tem em sua obra o fruto maturescente de seus devaneios.
O mesmo fenômeno, tão salutar para a sobrevivência, tão vital (e é por isso, inclusive, que a arte, além de ser expressão criadora, sistematizadora, formadora, conformadora do mundo, é também bálsamo diário), pela magia da projeção permite que, num viés catártico, o espectador, o leitor, o receptor, o apreciador igualmente seja banhado por essa água vivificante e reveladora. Somos todos peixes que nadam num aquário de incertezas e de ignorâncias e que, graças ao sinal emitido por um artista, que nos presta contas do desconhecido, tomam ciência da pequeneza e da simultânea grandeza de sua condição.
Márcia, tenho certeza absoluta disso, nos mostra a ela própria em suas criações. Humana, demasiadamente humana, nos mostra, por extensão, a humanidade. E assim nos mostra a nós próprios. E o tem feito com um esmero e com uma mestria crescentes, de toques e retoques certeiros. Há domínio de si, há domínio do olhar de mundo, há a descoberta de um inusitado e maravilhoso cenário interior.
Às vezes, esses recantos e essas paisagens da alma que são iluminados (num rompante de espírito criador que ousa, inventa, avança, se solta, dialoga, acredita, tem esperança) chegam a provocar vertigem. Vemos isso no olhar de suas meninas, de suas mulheres, que de repente concentra toda a força expressiva: se antes esquivavam-se, desviavam as miradas, entre envergonhadas e inseguras, agora erguem o semblante. Altivas, serenas, inquiridoras, quem sabe compreensivas, escrutinam-nos.
Bem o sabemos, olham muito além de nós, chegam a algum reduto de nosso íntimo onde, diante delas, estamos por ser descobertos, somos descobertos, ficamos às claras. Encontramos nesse olhar, que afinal é o olhar da artista Márcia Marostega, o espelho (honesto, valioso, sublime – e sublime inclusive em sua acepção subliminar, além do limite de nossa própria capacidade de pesquisa) daquilo que, enquanto humanos, fomos, somos, seremos, queremos ser.
A obra de Márcia Marostega, tenho convicção, é a forma (pássaro e nuvem) que ela encontrou, exímios ourives que é, de lapidar em nós o que temos de melhor. ”
ROMAR BELINE ESCRITOR E JORNALISTA.
OBRAS DO ARTISTA